Olhei atentamente a pessoa que se encontrava a minha frente. Impossível não notá-la! A diversidade de cores num só ser chegava a ser agressiva aos olhos. Era chamativo demais, carregado demais e irradiava dos dedos dos pés ao último fio de cabelo da cabeça. E que cabelo! Ele era o primeiro a prender a atenção dos observantes alheios, afinal, ninguém nasce com cabelo azul. Mas ele não era apenas azul, era berrante, escorrido até a cintura num corte reto e com franja. Fazia um grande contraste com a pele clara e acetinada da, digamos assim, sua proprietária. Para ser sincera, não havia nada que não entrasse em choque naquela criatura: trajava uma blusa amarela de mangas compridas extremamente justa ao corpo; uma saia verde de bolinhas alaranjadas até o joelho, levemente avolumada por uma armação de tule branca que poderia ser vista abaixo do joelho; um cinto fino cor de rosa no meio da cintura; uma meia calça xadrez vermelha e um salto alto violeta. Sem falar do enorme girassol preso no pescoço por uma fita branca de cetim. Era uma completa descombinação! Pobres sábios da moda enfartariam ao vê-la.
Continuei a avaliá-la minuciosamente. Foi quando, por fim, a encarei. Ela não sorria, mas tinha um ar de curiosidade nos olhos azuis. Seu rosto trazia maçãs avermelhadas, pálidas se comparadas a cor de seu batom. Os olhos eram contornados de preto, tanto na parte inferior quanto na parte superior, que também trazia o alaranjado em suas pálpebras. As sobrancelhas eram bem definidas e os cílios longos mais pareciam uma vassoura a varrer. Eu não sabia para onde olhar. Me senti um tanto incomodada com aquela situação. Mirei novamente o rosto da garota, encontrando desta vez espanto. Olhei em volta e vi que algumas pessoas também a olhavam e algumas até murmuravam entre si coisas inaudíveis, mas que eu tinha certeza de serem as mesmas que passaram por minha mente.
Voltei-me para a garota e a encontrei sorrindo. Não de felicidade, mas de satisfação. Uma certeza de dever cumprido. E realmente estava. Quem olhasse para ela ficaria sem entender. Os leigos logo a julgariam exibida, alguém que apenas buscava chamar a atenção; os mais, por assim dizer, inteligentes, encontrariam um conflito externo, que certamente refletia o interior. Estes, por sua vez, estariam parcialmente certos, já que o conflito de fato existia. Porém, não saberiam o porquê e assim sendo, não haveria mais chances de acertos. Estava livre. Livre de si, livre dos outros, livre do passado. Um caminho se abria a sua frente com muito menos dor.
Deixei as reflexões de lado, olhando minha imagem refletida no espelho. Aquela era eu: a nova Maria Flor da Cunha. Embora eu não me reconhecesse, ainda que estivesse com os mesmos traços de antes, teria de aprender a conviver com esse meu novo eu, não só exterior mais muito mais interior. Teria de suportar os olhares julgadores, as gozações, os apelidos... E calaria cada qual, levando assim minha meta